Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 3 de abril de 2016

Manuel Freire "Retrato do poeta quando jovem" poema de José Saramago


"Retrato do poeta quando jovem"

"Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Leves ondas se furtam para o lado
Com o rumor de seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
Na hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Uma ânsia de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu dessa memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que narra do retrato a velha história."

in, "Os Poemas Possíveis"
Publicado em 1966 pela Portugália Editora
Porto Editora, página 57 (2014)

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