Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 29 de maio de 2016

"A feira onde Saramago gostava de estar" de Rita Garcia do "Observador"

O artigo completo de autoria de Rita Garcia (Observador) pode ser recuperado aqui

"Sentava-se entre os velhos pavilhões da Caminho, olhava as longas filas que o esperavam e começava a chamar leitores, sem mais delongas. Afável, solícito e rápido, José Saramago recebia cada um deles com uma informalidade inesperada para quem apenas lhe conhecia o rosto fechado e o aspeto austero. Desde a publicação de Levantado do Chão, em 1980, estava habituado a ter centenas de leitores a aguardar um autógrafo seu na Feira do Livro de Lisboa.

Saramago jamais se furtou ao contacto com o público. “Nunca tive um autor tão disponível para colaborar com o editor. Ia dar autógrafos todos os dias, a menos que tivesse um compromisso”, conta ao Observador Zeferino Coelho, um dos mais antigos editores portugueses, responsável pela publicação de todos livros que o Nobel lançou em vida."

Saramago autografando uma das suas obras (Fotografia: Global Imagens)

"O escritor chegava cedo e, em regra, não marcava hora para ir embora. “Num sábado podia começar a assinar livros às 15h30 e terminar às 20h. Era comum aparecerem 200 ou 300 pessoas. Nunca reclamava: era um cavalheiro, muito bem educado, de trato elegante, sem formalismos. Brincava, dizia anedotas”, acrescenta o editor da Caminho.

Só havia uma coisa que o incomodava verdadeiramente: descobrir na fila um rosto conhecido, de cujo nome, por mais que se esforçasse, não conseguia lembrar-se. O simples facto de admitir a falha de memória parecia-lhe uma desconsideração. De tal maneira que combinou um esquema com o pessoal da editora. Sempre que isso acontecia, fazia-lhes sinal e logo entrava em ação um aliado que, simpático e conversador, arranjava forma de descobrir o nome em falta. E assim, quando o amigo se aproximava do Nobel, era recebido como se tivessem estado juntos de véspera e levava para casa um autógrafo personalizado — e com o nome certo, claro.

Naquela tarde de semana, José Saramago fez o de sempre. Assinou livro atrás de livro, até que um homem lhe estendeu um manual de gestão. “Pediu-lhe um autógrafo, dizendo que tinha ido comprar aquilo para o filho e que não tinha mais dinheiro para um livro do próprio Saramago”, conta o escritor e apresentador de televisão Pedro Vieira, que assistiu à cena. O Nobel não levantou problemas: agarrou no manual e autografou-o.

Ainda que só tivesse começado a frequentar a Feira do Livro como autor a partir de 1980, o ano em que o evento se mudou para o Parque Eduardo VII, Saramago era presença habitual no evento desde os anos 60, quando trabalhava como editor. E nem quando se mudou para Espanha deixou de aparecer: “Para alguém da idade dele, a Feira era algo que fazia parte da vida”, explica Zeferino." (...) 
Nota de rodapé: o restante artigo faz uma revisitação à história da Feira do Livro de Lisboa

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