Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Sobre a fome no mundo ou o grito recorrente e constante de José Saramago - "Cadernos de Lanzarote Diário IV" e "Os Poemas Possíveis"

17 de Novembro (de 1996)
"Novas notícias da fome, desta vez muito mais animadoras. A Conferência da FAO, reunida em Roma nestes dias, acaba de aprovar uma resolução no sentido de que sejam reduzidos para metade, até ao ano 2015, os 800 milhões de famintos que existem actualmente... 
Espera-se que os restantes 400 milhões possam morrer daqui até lá: ficaria resolvido dessa maneira o problema da fome no mundo."
in, "Cadernos de Lanzarote - Diário IV"
Caminho, página 255

Pode ser visualizado, via YouTube aqui

Poema "Fala do Velho do Restelo ao astronauta"

Aqui, na Terra, a fome continua, 
A miséria, o luto, e outra vez a fome. 

Acendemos cigarros em fogos de napalme 
E dizemos amor sem saber o que seja. 
Mas fizemos de ti a prova da riqueza, 
E também da pobreza, e da fome outra vez. 
E pusemos em ti sei lá bem que desejo 
De mais alto que nós, e melhor e mais puro. 

No jornal, de olhos tensos, soletramos 
As vertigens do espaço e maravilhas: 
Oceanos salgados que circundam 
Ilhas mortas de sede, onde não chove. 

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa 
Onde come, brincando, só a fome, 
Só a fome, astronauta, só a fome, 
E são brinquedos as bombas de napalme.

in, "Os Poemas Possíveis" (1966)

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