Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

"José Saramago inspirou-se em Leonard Cohen" via TSF (07/11/2017) - Narração de Fernando Alves de trecho da "História do Cerco de Lisboa"

"José Saramago inspirou-se em Leonard Cohen" é o titulo da crónica de Fernando Alves na "Manhã TSF" de 07/11/2017, onde faz leitura parcial da página 93 da "História do Cerco de Lisboa".  
Aqui se recupera em
https://www.tsf.pt/cultura/musica/interior/cohen-e-saramago-8899531.html

"No dia em que assinalamos o primeiro aniversário da morte de Leonard Cohen, recordamos o romance de Saramago em que o cantor canadiano ocupa uma página."

Foto: Fernando Farinha/Global Imagens

"Também José Saramago encontrou em Leonard Cohen inspiração. Valeu pelo menos uma página, a 93 do romance "História do Cerco de Lisboa", editado em 1989.

A figura central do romance é Raimundo Silva, um revisor de textos que comete propositadamente um erro ao rever um livro sobre a história do cerco de Lisboa. Raimundo acrescenta um "não" a uma frase e isso muda o sentido de toda a história.

A editora tenta remediar o problema com a publicação de uma errata e contrata uma supervisora cuja tarefa é orientar o trabalho do revisor. Mas esta percebe que Raimundo não vai admitir qualquer alteração e incentiva-o a reescrever a sua própria história do Cerco de Lisboa, agora sem a ajuda dos cruzados.

Raimundo e Sara viveram o seu próprio romance, mas essa é já outra história. E há Lisboa, em fundo. A Lisboa em que Raimundo, na página 93 do romance de Saramago, escuta na televisão o cantor Leonard Cohen."

Narração de Fernando Alves
(...) "Agora um homem aparece sozinho, deve estar a cantar apesar de mal se lhe moverem os lábios, o dístico dizia Leonard Cohen, e a imagem olha para Raimundo Silva insistentemente, os movimentos da boca articulam uma pergunta, Por que não queres ouvir-me, homem sozinho, e certamente acrescenta, Ouve-me agora porque depois será demasiado tarde, após um video-clip vem outro, não se repetem, isto não é um disco que possas fazer voltar atrás mil e uma vezes, é possível que eu volte, mas não sei quando e tu talvez já aqui não estejas nesse momento, aproveita, aproveita, aproveita. Raimundo Silva inclinou-se para a frente, abriu o som, o gesto de Leonard Cohen foi como se agradecesse, agora podia cantar, e cantou, disse as coisas que diz quem viveu e se pergunta quanto e para quê, quem amou e se pergunta a quem e porquê, e, tendo feito as perguntas todas se acha sem resposta, uma só que fosse, é o contrário daquele que afirmou um dia que as respostas estão todas por aí e que nós não temos mais que aprender a fazer as perguntas. Quando o Cohen se calou, Raimundo Silva tornou a cortar o som, e logo a seguir desligou de todo o aparelho. A saleta, interior, tornou-se de repente noite negra, e o revisor pôde levar as mãos aos olhos sem que ninguém o visse." (...)
in "História do Cerco de Lisboa (1989), Caminho - 2.ª edição (página 93) 

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