Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Citador #13 ... do tempo que passa... as horas e os dias... em "A Caverna"

Foi vulgar, não no sentido da pequenez da reflexão, mas no sentido da constante evocativa, a questão do significado do "tempo", ou da temporalidade das acções.
Nesta simples citação, o dia que passa, os dias que passam de forma diversa, o dia que nunca é igual ao seguinte ou semelhante ao anterior que o fez nascer; Saramago aponta aqui, de forma vincada o desassossego e ansiedade na voz de Marta, a filha do oleiro Cipriano. Tão simples e tão curta esta convocatória do "tempo", mas que depara-se profundamente carregada com mais peso que os ombros destas duas personagens pensaram carregar. 
Este momento, é transversal na obra de José Saramago, e ao percorre-la conseguimos perceber que a vida dos dias e das horas, podem ter um significado diferente que o simples deixar passar luas e sois... Pode-se mesmo ousar, invocando exemplos, onde o decorrer do tempo ficou em suspenso ou regredindo, não no sentido em que os ponteiros do relógio andam para trás, mas no peso em que a acção funciona contra-natura. O menino que se esquece do tempo de regresso a casa e alimenta a flor, renovando a vida do campo em contraponto com industrialização da cidade, em "A Maior Flor do Mundo"; a mulher do médico, em "Ensaio sobre a Cegueira", que esquece o tempo que a sua vida lhe traria e acompanha o marido na descida a um inferno onde os dias parecem pausados em que a tortura da "animalidade" humana não tem fim; a senhora morte, nas "As Intermitências da Morte", onde o violoncelista sem o saber rapta com a sua musicalidade a eterna morte que o deixa de ser, dando-se por vencida e entregando-se aos braços do amor; ou... em "Todos os Nomes", onde um funcionário de uma conservatória pretende resgatar do tempo a vida de uma mulher que não a conhecendo, sentia-lhe a vida mas ela já não estava; isto sem falar de, em "O Homem Duplicado", onde o tempo pára, porque o tempo do professor de história pode não ser o dele, mas do vulto duplicado que o sendo, também poderia ser o seu original, e desta feita haveria um tempo copiado.
Saramago que recusando o epíteto ou etiqueta de romancista histórico, porque ao tempo de outras eras ele não buscava a sua explicação, mas antes, o entendimento sobre os acontecimentos do passado que se repercutem no presente e empurram consequências até ao presente/futuro, tratando esta temática com profunda reflexão. 
Não há dúvida que não é fácil dizer coisas tão simples e lineares, mas ao mesmo tempo com tanto peso e profundidade. 
As pessoas são o que carregam ou a forma como carregam a vida. José Saramago, tentou entrar na interpretação do "eu", do "eu e os outros que rodeiam", e do "nós, enquanto seres colectivos e comunitários" para construir o homem.   


(...) "Os dias são todos iguais, as horas é que não, quando os dias chegam ao fim têm sempre as vinte e quatro horas completas, mesmo quando elas não tiveram nada dentro, mas esse não é o caso nem das suas horas nem dos seus dias, Marta filósofa do tempo, disse o pai, e deu-lhe um beijo na testa. (...)

Citador #13
...as horas... os dias
em "A Caverna"
Caminho, pág. 52




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