Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Como "nasceu" a ideia da obra "Memorial do Convento"

Depois de "conviver" com a obra de José Saramago, importa-me saber alguns detalhes sobre as origens e casualidade à volta do processo criativo.
Sendo ideias que ocorrem, como no "Ensaio sobre a Cegueira" num restaurante na Madragoa, num escaparate de jornais em Espanha, ou na visita à imensidão do "calhau" do Convento de Mafra.
Se não é importante para a obra, não ajuda à sua interpretação, porém é fundamental para se conhecer o processo criativo e construtivo que o romancista referencia.




(...) Memorial do Convento, romance que nasceu duma circunstância fortuita que passo a contar em meia dúzia de palavras. Um dia, estando em Mafra com algumas pessoas contemplando o Convento, pronunciei em voz alta: «Gostaria um dia de pôr isto num romance». Provavelmente, se não as tivesse dito em voz alta, se simplesmente o tivesse pensado e permanecido em silêncio, a própria dimensão da tarefa me haveria intimidado tanto que talvez não tivesse sido capaz de escrever o livro. Aconteceu que, por pronunciar em voz alta aquilo que tinha pensado, em senti obrigado perante as pessoas que me tinham ouvido, e que inevitavelmente não deixariam de perguntar-me depois como levava o livro sobre o Convento... Devo aclarar que a ideia de escrever sobre o Convento de Mafra foi posterior à ideia de "Ano da Morte de Ricardo Reis", no entanto, "Memorial do Convento" foi publicado em Portugal em 1982 e o "Ano da Morte de Ricardo Reis" em 1984. A explicação é simples: se enfrentar-me ao Convento de Mafra me pareceu uma ideia tremendamente arriscada, tocar a figura de Ricardo Reis, que é a mesma coisa que dizer Fernando Pessoa, era então o cúmulo da ousadia. Senti tal receio de provocar as iras e os desdéns dos eruditos pessoanos, eu que não diplomas, nem atributos académicos, nem méritos conhecidos ou por conhecer, que disse para mim mesmo, não como o outro «Afasta de mim esse cálice», mas sim «Afasta de mim essa tentação». Por isso o "Memorial do Convento" foi escrito antes, como se a tarefa não fosse, coisa que acabei por saber depois, muitíssimo mais árdua e difícil que a de descrever o que sucedeu no ano em que morreu Ricardo Reis... (...) 

A Estátua e a Pedra
Fundação José Saramago
Páginas 23 e 24





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